domingo, 16 de março de 2008

1 - A Carta aos Hebreus



Se há um livro do Novo Testamento que exorta o cristão a permanecer na fé "nos últimos dias", tal livro é a Epístola aos Hebreus. Essa epístola tem uma mensagem especial para uma época marcada pela apostasia; ela se dirige ao crente que, ao defrontar-se com a descrença e a desobediência, deve permanecer firme na fé. A Carta aos Hebreus é, então, uma exortação à fidelidade. Admitindo-se que Hebreus ensina a superioridade de Cristo sobre os anjos, Moisés, Josué, Arão e Melquisedeque, as exortações, que são livremente intercaladas entre as seções doutrinárias, determinam o caráter. As admoestações revelam o carinho e o profundo interesse do pastor-escritor.
Constantemente, ao longo da epístola, o autor implora ao leitor para que permaneça fiel ao evangelho e não se desvie dele (2.1; 3.12; 4.11; 6.11,12; 10.22-25; 12.25). Ele enfatiza a responsabilidade comum: Os irmãos são exortados a cuidar para que nenhum crente se afaste do Deus vivo (3.12,13; 4.1,11). As consequências da queda são de fato inimagináveis, pois o escritor diz, "horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo" (10.31).
O escritor de Hebreus aconselha o crente a ouvir com obediência a Palavra de Deus (4.2,3,6,12). Ele exorta os crentes a servirem "a Deus de modo agradável, com reverência e santo temor" (12.28). E conclui que "o nosso Deus é fogo consumidor" (12.29) - caso essa exortação seja negligenciada.
Numa época em que a apostasia é comum, e "o mistério da iniquida¬de já opera", como Paulo diz em 2 Tessalonicenses 2.7, a mensagem de Hebreus é extremamente relevante. Nós simplesmente não podemos ignorar o aviso que acompanha "tão grande salvação" (2.3), porque não poderemos escapar se o fizermos. Portanto, faremos bem em ouvir atentamente.

CARACTERÍSTICAS DE HEBREUS
Muitas traduções da Bíblia chamam Hebreus de "a Epístola aos Hebreus". Mas esse livro do Novo Testamento é realmente uma epístola? Se nós o compararmos com as epístolas de Paulo, Tiago, Pedro, Judas e João, devemos dizer que não. A saudação, que é comum nessas cartas - com a exceção de 1 João -, está ausente de Hebreus.

1. Carta ou Epístola?
Na própria carta, no entanto, o escritor inclui algumas referências à conduta e às posses dos leitores (6.10; 10.32-34); e no capítulo 13 ele se torna bem íntimo dos destinatários. Ele chama Timóteo de "nosso irmão" e menciona que Timóteo, tendo sido liberto da prisão, o acompanhará quando for visitar os leitores (13.23). A carta termina com saudações (13.24), e, portanto, com base nesse último capítulo, Hebreus é na verdade uma carta.
O começo de Hebreus tem algo em comum com a Primeira Epístola de João. Ambas têm uma introdução que, em vários aspectos, serve como um resumo dos capítulos posteriores. O nome do autor está ausente tanto em Hebreus quanto em 1 João. Também, uma menção específica dos destinatários, saudações e orações estão faltando. Esses elementos são característicos das outras epístolas do Novo Testamento.
Dizer que Hebreus é um tratado, para se evitar o uso das palavras epístola ou carta, não é de todo satisfatório. Um tratado consiste de uma exposição, ou discurso sobre um tópico, mas Hebreus ensina várias doutrinas, intercalando-as com exortações pastorais. Devemos admitir que qualquer que seja a palavra que for usada para descrever esse livro do Novo Testamento, a dificuldade permanece. Uma solução para o problema é chamar o livro de Hebreus, como algumas traduções recen¬tes o fazem. No entanto, Hebreus em si mesmo é uma das Epístolas gerais do Novo Testamento.
Como uma epístola, Hebreus é similar a alguns escritos de Paulo; contém doutrina e exortação. O costume de Paulo, no entanto, é apresentar a doutrina em primeiro lugar e, no final da epístola, fazer as exortações. Nesse aspecto, Hebreus é diferente. O escritor mistura a doutrina com a admoestação pastoral. Por exemplo, no meio do ensino sobre a superioridade do Filho em relação aos anjos, o autor exorta o leitor a "prestar mais atenção" à Palavra de Deus (2.1-4).

2. Pastoral ou doutrinária?
Hebreus é uma epístola pastoral ou doutrinária? Facilmente podemos responder, "é ambas". Mesmo assim, admitimos que, apesar de tudo, o propósito do escritor de Hebreus é fazer uma exortação pastoral aos destinatários. Ele reforça suas admoestações com doutrinas sobre a superioridade de Cristo, o sacerdócio, o pacto e a fé.
Em nenhum lugar em todo o Novo Testamento, exceto na carta aos Hebreus, as doutrinas do sacerdócio de Cristo e do pacto são explicadas. Nós encontramos somente uma passagem sobre o sacerdócio de Cristo em Romanos 8.34, "É Cristo Jesus quem morreu, ou antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós". Paulo simplesmente menciona o trabalho intercessório de Cristo, desse modo indicando o seu sacerdócio. Mas em todas as suas epístolas, Paulo abstém-se de escrever sobre essa doutrina. Embora o treinamento teológico de Paulo incluísse a doutrina do pacto como parte integral do ensino do Antigo Testamento, ele menciona a palavra pacto nove vezes (Rm 9.4; 11.27; ICo 11.25; 2Co 3.6,14; Gl 3.15,17; 4.24; Ef 2.12). Em Galatas 4.24 ele é de alguma forma específico: "Estas coisas são alegóricas; porque estas mulheres são duas alianças; uma, na verdade, se refere ao monte Sinai, que gera para escravidão; esta é Hagar." Ainda assim, nesse texto, o tratamento de Paulo é muito limitado. O escritor de Hebreus, por outro lado, ensina as doutrinas do sacerdócio e do pacto completamente.

3. Revelação e inspiração
O autor dá ao leitor a revelação de Deus. Para ele, o autor principal da escritura, isto é, o Espírito Santo, é o mais importante, pois Deus fala ao leitor por meio da sua palavra. Assim, não o autor secundário, mas Deus é quem fala nas frases introdutórias feitas de citações do Antigo Testamento. No capítulo l, Deus é aquele que pronuncia as citacoes dos Salmos, do Cântico de Moisés (Dt 32.43, LXX) e 2 Samuel 7.14. Com algumas variações, a expressão Deus diz ocorre constantemente (1.5-8,10,13; 2.12,13; 3.7; 4.3; 5.5,6; 7.21; 8.8; 10.5,15,17; 13.5). E, porque o autor secundário de Hebreus não é importante para o escri¬tor, seu próprio nome também foi omitido, talvez de propósito, nessa carta. Ao focalizar a atenção no Deus Trino como o que fala, o autor ensina que a Escritura é divinamente inspirada. Ele não ouviu a voz do homem, mas de Deus.
É interessante, no entanto, que quando o autor faz citações do Antigo Testamento, ele usa a tradução grega (a Septuaginta) do texto hebraico. E essa tradução difere do original em alguns lugares. Aqui estão dois exemplos. Primeiro, o Salmo 8.5 tem: "Fizeste-o um pouco menor do que os seres celestiais [ou: Do que Deus]", e Hebreus 2.7 diz: "Fizeste-o, um pouco [ou: Por um pouco], menor que os anjos". Segundo, a redação do Salmo 40.6 é: "Sacrifício e oferta não desejaste, mas furaste meus ouvidos". No entanto, Hebreus 10.5 dá esta versão: "Sacrifício e oferta não desejaste, mas um corpo preparaste para mim".
Por que o autor usou uma tradução que diferia do texto do Antigo Testamento? Provavelmente o autor não conhecia o hebraico, tinha aprendido as Escrituras na tradução grega e escreveu a leitores que usavam essa tradução. Isso significa que a chamada tradução Septuaginta foi inspirada? Claro que não é esse o caso. O texto hebraico do Antigo Testamento, e não a tradução, foi inspirado por Deus. Mas isso não significa que o escritor de Hebreus estivesse proibido de citar uma tradução, mesmo uma que apresentasse alguma variação. No entanto, no momento em que o autor escreveu essa carta, a inspiração da epístola, incluindo as citações do Antigo Testamento, aconteceu. Guiado pelo Espírito Santo, o escritor estava livre para tomar seu material de uma tradução que diferia do texto hebraico; ele não tinha de corrigir a tradução para fazê-la conforme a redação do hebraico original. Ele escreveu aos hebreus que estavam familiarizados com a Septuaginta, que, para eles, era a Bíblia.

4. O Antigo Testamento
Nós que estamos acostumados a ter exemplares da Bíblia, não devemos pensar que assim também o era com os leitores de Hebreus na segunda metade do século I . Cópias dos livros do Antigo Testamento eram mantidas na sinagoga local e na igreja. Elas eram usadas durante os cultos de adoração para a instrução do povo. Mas o povo que ia aos cultos de adoração não possuía esses livros. As pessoas guardavam a Palavra no coração e na mente pela memorização dos salmos e hinos. Elas também decoravam passagens messiânicas do Antigo Testamento. Cantavam os bem conhecidos salmos e hinos na igreja ou em casa e recitavam versos específicos do Antigo Testamento.
O autor de Hebreus escolheu suas citações cuidadosamente. Por exemplo, no capítulo l, há cinco citações de salmos conhecidos, uma do Cântico de Moisés e uma de uma passagem messiânica. O autor apela para a memória dos leitores e assim comunica a Palavra de modo claro e eficaz.

5. Estilo
Uma característica decisiva de Hebreus é a escolha das palavras, as sentenças equilibradas, o ritmo retórico do grego original e o excelente estilo. Mesmo na tradução, o leitor de hoje percebe algo de magnificente na habilidade literária do autor. Tome, por exemplo, a forte definição de fé: "Ora, a f é é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem" (11.1). Ou analise o equilíbrio desta sentença: "Porque, se vivermos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados; pelo contrário, certa expectação horrível de juízo e fogo vingador prestes a consumir os adversários" (10.26,27). O autor revela-se como uma pessoa instruída, que escolheu suas palavras cuidadosamente e que era totalmente familiarizada com o ensino do Antigo Testamento.

QUEM ESCREVEU ESSA EPÍSTOLA?
Quando Origines, o teólogo do século III, foi questionado sobre a autoria de Hebreus, disse: "Mas só Deus sabe com certeza quem escreveu a epístola." Ele disse isso em 225 d.C. Se os estudiosos, no alvorecer da Era Cristã, não sabiam quem escreveu Hebreus, nós certamente não sobressairemos a eles.

1. Apolo
É claro que os eruditos têm sugerido possíveis candidatos, mas eles recorrem a hipóteses. Martinho Lutero, por exemplo, pensava que Apoio fosse o autor de Hebreus. Ele baseou sua hipótese em Atos 18.24-26, "Nesse meio tempo, chegou a Éfeso um judeu, natural de Alexandria, chamado Apolo, homem eloquente e poderoso nas Escrituras. Era ele instruído no caminho do Senhor; e, sendo fervoroso de espírito, falava e ensinava com precisão a respeito de Jesus, conhecendo apenas o batismo de João. Ele, pois, começou a falar ousadamente na sinagoga. Ouvindo-o, porém, Priscila e Aquila, tomaram-no consigo e, com mais exatidão, lhe expuseram o caminho de Deus."
Lutero enfatizou que Alexandria era um grande centro educacional, onde Apolo aprendeu a se expressar com habilidade na língua grega. Apolo usou a tradução Septuaginta do Antigo Testamento porque a Septuaginta foi primeiramente publicada em Alexandria.
Apolo familiarizou-se com a fé cristã, ouviu Paulo pregar em Éfeso e foi instruído "no caminho de Deus mais adequadamente" por Priscila e Aquila. Ele "era poderoso nas Escrituras", "ensinava com precisão a respeito de Jesus Cristo" e tornou-se um destacado pregador. Para Martinho Lutero, Apolo era o mais qualificado para escrever a Epístola aos Hebreus.
A hipótese é de fato atraente e responde a várias perguntas. No entanto, o silêncio dos séculos é revelador. Nós esperávamos que Clemente de Alexandria, em 200 d.C., dissesse algo sobre este assunto, mas ele omite o nome Apolo. Em vez disso, ele atribui Hebreus a Paulo.

2. Paulo
Foi Paulo o autor de Hebreus? Por séculos as pessoas têm aceito a autoria paulina dessa epístola. Desde a primeira publicação da versão King James em 1611, até hoje, muitas pessoas têm tomado o título literalmente: "A Epístola de Paulo, o Apóstolo, aos Hebreus". Mas na margem de algumas Bíblias dessa versão o leitor encontra: "Autoria incerta, geralmente atribuída a Paulo".
A incerteza da autoria paulina deriva da diferença entre as epístolas de Paulo e a de Hebreus. Começando com a linguagem de Hebreus, nós vemos uma diferença distinta. Nada em Hebreus nos lembra o estilo, a expressão, a escolha de palavras e o material das cartas de Paulo. A linguagem de Hebreus simplesmente não é a de Paulo.
As doutrinas encontradas em Hebreus não encontram eco em qualquer das epístolas de Paulo. Geralmente, nessas cartas, referências cruzadas das doutrinas principais são evidentes. Mas não é assim em Hebreus. As doutrinas do sacerdócio de Cristo e do pacto são exclusivas de Hebreus, mas ausentes das cartas de Paulo.
O uso dos nomes se referindo a Jesus, em Hebreus, difere dos de Paulo. Em suas primeiras epístolas, Paulo refere-se ao Senhor como Jesus Cristo, mas nas últimas essa combinação é invertida: Paulo usa Cristo Jesus. Ele dificilmente escreve Jesus (2Co 11.4; Fp 2.10; ITs 4.14). O autor de Hebreus, por outro lado, chama o Senhor repetidamente pelo nome de Jesus (2.9; 3.1; 4.14; 6.20; 7.22; 10.19; 12.2,24; 13.15). Três vezes o autor de Hebreus usa a combinação Jesus Cristo (10.10; 13.8,21) e somente uma vez ele diz Senhor Jesus (13.20). A Epístola aos Hebreus, no entanto, não tem a combinação Cristo Jesus.
O ponto mais significativo na consideração sobre se Paulo escreveu a Epístola aos Hebreus está relacionado com Hebreus 2.3. O escritor, que se inclui em sua advertência para prestar atenção à Palavra de Deus, diz, "... como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salva¬ção? A qual, tendo sido anunciada inicialmente pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram." Numa forma esquemática, temos a seguinte sequência:
Esta salvação que
1. primeiro foi anunciada pelo Senhor
2. por aqueles que a ouviram
3. foi confirmada para nós

Pode-se tirar daí a conclusão de que o escritor não tinha ouvido o Senhor pessoalmente, mas teve de confiar no relatório de outros. Paulo, logicamente, afirma categoricamente que ele não recebeu o evangelho de nenhuma outra pessoa, mas de Jesus Cristo (Gl 1.12). Paulo ouviu a voz de Jesus na estrada de Damasco (At 9.4; 22.7; 26.14). E Jesus falou-lhe posteriormente (At 18.9,10; 22.18-21). Paulo, portanto, não poderia ter escrito as palavras de Hebreus 2.3.

3. Barnabé
Tertuliano, em torno de 225 d.C., sugeriu que Barnabé era o escritor de Hebreus. Ele fez essa afirmação baseado nas credenciais de Barnabé dadas em Atos 4.36,37: "José, a quem os apóstolos deram o sobrenome de Barnabé, que quer dizer filho de exortação, levita, natural de Chipre, como tivesse um campo, vendendo-o, trouxe o preço e o depositou aos pés dos apóstolos." Como um levita, Barnabé era totalmente familiarizado com o sacerdócio levítico. Além disso, ele tinha vindo da ilha de Chipre, onde provavelmente aprendeu bem a língua grega. Ele estava familiarizado com a igreja e suas necessidades. Assim, ele era eminentemente qualificado para escrever a Epístola aos Hebreus, de acordo com Tertuliano. O ponto fraco dessa posição é que não tem encontrado nenhum apoio na história do cânon. Tertuliano não conseguiu nenhum seguidor, e sua sugestão tem sido vista como uma curiosidade.

4. Priscila
O último nome que tem sido proposto para resolver a questão da autoria é o de Priscila. Ela, juntamente com seu esposo Aquila, instruíram Apolo (At 18.26). Mas Priscila não podia ter escrito Hebreus porque no original grego de Hebreus 11.32, o escritor usa um particípio com uma terminação masculina quando se refere a si mesmo: "Certa¬mente me faltará tempo para referir o que há a respeito de Gideão...."
Qual é a conclusão do assunto? Nós simplesmente dizemos com Origines, "Mas quem escreveu a epístola, certamente só Deus sabe". Em última análise, a autoria não é importante. O conteúdo da epístola é o que importa.

A MENSAGEM DE HEBREUS
Uma rápida olhada na Epístola aos Hebreus diz aos leitores que seu conteúdo é reforçado por várias citações do Antigo Testamento; em seguida, o autor exorta constantemente o leitor de modo pastoral, e, finalmente, o desenvolvimento da parte doutrinária segue uma sequência lógica. Nós começamos nossa análise do conteúdo com uma discussão das citações do Antigo Testamento em Hebreus.

1. Citações do Antigo Testamento
As estimativas do número de citações diretas na Epístola de Hebreus variam. Por exemplo, alguns estudiosos contam todas as citações diretas e totalizam 36. Outros encontram 24 citações diretas do Antigo Testamento e acrescentam mais cinco passagens "que são usadas verbalmente, embora não sejam formalmente citadas". Eles reconhecem 29 citações.
Embora entendamos que o autor de Hebreus não tinha de fornecer afirmações introdutórias para cada citação do Antigo Testamento, nós ainda pensamos que uma citação direta é aquela com uma fórmula introdutória. Encontramos 26 citações e acrescentamos mais cinco que não têm introdução. Isso totaliza 31 passagens.
O Saltério era o livro favorito do escritor de Hebreus. Um terço de suas citações vem do Livro de Salmos. A maioria delas está localizada em Hebreus 1. Uma citação vem do Hino de Moisés, Deuteronômio 32, na versão da Septuaginta.

Citações Diretas Antigo Testamento:
1. Salmo 2.7 > Hb 1.5a; 5.5
2. 2 Samuel 7.14 > Hb 1.5b
3. Deuteronômio 32.43 > Hb 1.6b
4. Salmo 104.4 > Hb 1.7
5. Salmo 45.6,7 > Hb 1.8,9
6. Salmo 102.25-27 > Hb 1.10-12
7. Salmo 110.1 > Hb 1.13
8. Salmo 8.4-6 > Hb 2.6-8a
9. Salmo 22.22 > Hb 2.12
10. Isaías8.17 > Hb 2.13a
11.lsaías8.18 > Hb 2.13b
12. Números 12.7 > Hb 3.2,5
13. Salmo 95.7-11 > Hb 3.7-11
14. Génesis 2.2 > Hb 4.4
15. Salmo 110.4 > Hb 5.6; 7.17,21
16. Génesis 22.17 > Hb 6.14
17. Génesis 14.17-20 > Hb 7.1,2
18. Êxodo 25.40 > Hb 8.5
19. Jeremias 31.31-34 > Hb 8.8-12
20. Êxodo 24.8 > Hb 9.20
21. Salmo 40.6-8 > Hb 10.5-7
22. Deuteronômio 32.35a > Hb 10.30a
23. Deuteronômio 32.36a; Salmo 135.14a > Hb 10.30b
24. Isaías 26.20; Habacuque 2.3,4 > Hb 10.37,38
25. Génesis 21.12 > Hb 11.18
26. Provérbios 3.11,12 > Hb 12.5,6
27. Êxodo 19.12,13 > Hb 12.20
28. Deuteronômio 9.19 > Hb 12.21
29. Ageu2.6 > Hb 12.26
30. Deuteronômio 31.6 > Hb 13.5
31. Salmo 118.6 > Hb 13.6

O escritor de Hebreus prende a atenção de seus leitores ao citar passagens familiares do Antigo Testamento. Essas passagens aparentemente haviam sido memorizadas pelos leitores; assim, quando eles ouviam a Epístola aos Hebreus sendo lida para eles no culto público, podiam estabelecer uma relação com o conteúdo. As escrituras do Antigo Testamento, portanto, foram de grande importância para o autor e para os leitores dessa epístola. Nas palavras do escritor, "...a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes..." (4.12). E essa Palavra foi citada, mencionada e usada em Hebreus, mais do que em qualquer livro do Novo Testamento.

2. Admoestações pastorais
Repetidamente, o autor admoesta seus leitores a "que nos apeguemos, com mais firmeza" à Palavra de Deus (2.1). Ele chama essa palavra pregada aos israelitas no deserto de "as boas-novas" (4.2), e afirma que esse povo rebelde morreu no deserto porque falhou em unir a Palavra que tinha ouvido, com a fé.
A epístola é predominantemente pastoral? Ou é doutrinária? Colocando de uma outra forma, a questão é se as admoestações do autor resultam em ensino teológico ou, vice-versa, se as doutrinas levam a admoestações. Se olharmos para as inúmeras passagens que exortam os leitores, nós vemos uma considerável consistência no processo. O autor escreve pastoralmente e encoraja os hebreus a permanecerem fiéis a Deus e à sua Palavra. "Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus vivo" (3.12). Essa admoestação é a chave para entender o interesse pastoral do escritor. É básica às advertências que precedem e se seguem. A seguir, algumas admoestações que compõem o conteúdo da Epístola aos Hebreus:
2.1-4 "... importa que nos apeguemos, com mais firmeza..."
3.1 "Por isso, santos irmãos... considerai atentamente... a Jesus"
3.12-19 "Tende cuidado..."
4.1-3 "Temamos, portanto..."
4.11 "Esforcemo-nos, pois..."
4.14-16 "...conservemos firmes a nossa confissão"
6.1-3 "...deixemo-nos levar para o que é perfeito..."
6.11,12 "Desejamos, porém, continue cada um de vós mostrando,
até ao fim, a mesma diligência..."
10.19-39 "...aproximemo-nos, com sincero coração..."
12.1-28 "Portanto... desembaraçando-nos de todo peso..."
13.1-25 "Seja constante o amor fraternal"

O apelo do escritor chega ao leitor numa fraseologia marcada pelas repetições. A mensagem é clara: Mantenha a fé, seja obediente, permaneça firme, vá a Deus e afirme a sua salvação. O autor adverte o leitor sobre o pecado da descrença, que no final faz sua cobrança e acaba em apostasia.
À medida que o escritor exorta, ele também ensina. Ele expressa seu interesse em que os leitores obedeçam à Palavra de Deus, e assim ele os exorta. Ele também quer que seus leitores conheçam a Palavra, e assim os ensina.

3. Sequência doutrinária
Nos primeiros versículos de sua introdução (1.1,2), o autor define a extensão e amplitude da Palavra de Deus: Na época do Antigo Testamento, Deus falou por meio de seus profetas; no Novo Testamento, ele falou por meio de seu Filho. Ele esperava que seu povo obedecesse à sua Palavra quando lhes foi comunicada "pelos anjos" (2.2), pois a desobediência resultou em "justa punição". Quanto mais, então, deve o povo da época do Novo Testamento obedecer à Palavra de Deus que foi proclamada não por anjos, mas pelo Filho de Deus. E o filho é muito superior aos anjos, porque ele é o Profeta que falou a Palavra (1.2), o Sacerdote que fez "a purificação dos pecados" (1.3) e o Rei que "assentou-se à direita da Majestade, nas alturas" (1.3). Além do mais, este Profeta, que é Sacerdote e Rei também, exige completa obediência à Palavra que proclama salvação (2.3).
A superioridade do Filho de Deus em relação aos anjos é proclamada em forma de salmo e cântico. Os escritores dos salmos e hinos descrevem o Filho como Rei, Deus, Criador e aquele cujos "anos jamais terão fim" (1.12). Distinto dos anjos, o Filho tomou sobre si mesmo a natureza humana (2.14) e não se envergonha de chamar seu povo de irmãos e irmãs, pois ele e eles pertencem à mesma família (2.11,12). Por causa dessa identidade com seus irmãos e irmãs, Jesus tornou-se o seu "misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus", e assim ele fez "propiciação pelos pecados do povo". (2.17). Por essa razão, diz o escritor de Hebreus, eu vos exorto a considerar "atenta¬mente o Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão, Jesus" (3.1).
Jesus é maior do que Moisés. Moisés foi um servo fiel na casa de Deus; Jesus é um filho fiel sobre a casa de Deus (3.5,6). No tempo de Moisés, os israelitas recusaram-se a obedecer à Palavra de Deus e, conseqüentemente, pereceram no deserto (3.17). O crente de hoje é exortado a ouvir o "evangelho" e a esforçar-se para entrar no descanso que Deus prometeu (4.3,6,11). Receba a palavra viva e ativa de Deus no coração, aconselha o autor, porque pode ser comparada com uma espa¬da de dois gumes (4.12).
E também, Jesus é bem maior do que Arão. Arão era um sumo sacerdote, mas um pecador; Jesus é o sumo sacerdote maior, e sem pecado (4.14,15; 5.3). Jesus se tornou sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque (5.10). Os leitores deveriam saber desse fato ao pesquisar as escrituras. Portanto, o autor de Hebreus os reprova por sua indolência (5.11-13). Ele os exorta a avançar nos "ensinos de Cristo" (6.1); a recusa a avançar leva à morte espiritual (6.4, 8). Ele encoraja os crentes com a segura palavra de que Deus é verdadeiro em suas promessas. Deus confirma a promessa com um juramento, assim a sua palavra é imutável (6.17,18).
O escritor mostra aos leitores das Escrituras do Antigo Testamento que Jesus, pertencente ao sumo sacerdócio segundo a ordem de Melquisedeque, é superior aos sacerdotes levíticos (cap. 7). Os sacerdotes na ordem araônica eram designados pela lei, eram pecadores e estavam sujeitos à morte (7.23,27,28). Quando Deus jurou, Jesus tornou-se sacerdote e assim indicou a imutabilidade de seu ofício sacerdotal (7.21). Ele é sem pecado e é sacerdote para sempre.
Jesus é sacerdote-rei, mas ele não serve num tabernáculo; ele foi servir "no tabernáculo levantado pelo Senhor, não por homem" (8.2, ver também 9.11,24). Nesse Lugar Santíssimo ele obteve redenção eterna para seu povo e lá ele serve como "o mediador de uma nova aliança" (9.15). Cristo ofereceu-se a si mesmo de uma vez por todas e assim "aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados" (10.14) e têm a lei da nova aliança no próprio coração e escrita na própria mente.
A segunda parte da epístola começa com 10.19 e é totalmente pastoral. O escritor encoraja os leitores a "se aproximarem de Deus", a se encontrarem para a adoração e esperar o dia vindouro (10.22,25). Mais uma vez ele enfatiza que o pecado deliberado não pode ser perdoado (6.4-6; 10.26-29). O resultado do pecado voluntário é que se "cairá nas mãos do Deus vivo" (10.31).
O capítulo 11 é uma consideração dos heróis da fé descrita no Antigo Testamento. O autor foi seletivo e devota a maior parte da discussão a Abraão, o pai dos crentes (11.8-19). Ele exorta os leitores a fixarem sua atenção em Jesus, o "Autor e Consumador da fé" (12.2), a fortalecer suas "mãos descaídas e os joelhos trôpegos" (12.12) e a seguir "a paz com todos e a santificação" (12.14). O capítulo 12 conclui com uma exortação a que "sirvamos a Deus de modo agradável, com reverência e santo temor" (12.28). O último capítulo de Hebreus é uma série de exortações conclusivas com uma bênção eloquente (13.20,21) e saudações pessoais (13.22-25).

POR QUE ESSA CARTA FOI REJEITADA NOS PRIMEIROS SÉCULOS?

1. Século I
A história da Epístola aos Hebreus na igreja cristã dos primeiros séculos é bem variada. A carta foi aceita no Ocidente e citada por Clemente de Roma em sua epístola, conhecida como l Clemente, para a igreja de Corinto. Primeira Clemente foi escrita aproximadamente em 96 d.C. e contém segmentos de Hebreus (ver especialmente l Clemente 36.1-5; 17.1,5; 19.2; 27.2; 43.1; 56.2-4). O uso que Clemente fez de Hebreus na última década do século I é suficiente evidência de que a Epístola aos Hebreus circulava amplamente.

2. Século II
Irineu, em aproximadamente 185 d.C., citou Hebreus. Ele era bispo das igrejas de Viena e Lion no sul da França. Tertuliano, um escritor norte-africano que morreu em 225 d.C., citou Hebreus 6.4-8. Ele introduz a longa citação assim:

“Pois ainda há alguém existente da Epístola de Hebreus sob o nome de Barnabé — um homem suficientemente autorizado por Deus... Advertindo, apropriadamente, os discípulos a abandonarem todos os primeiros princípios, e a buscarem a perfeição, e não lançar os fundamentos de arrependimento com base nas obras dos mortos...”

A igreja do Ocidente (Itália, França e África), durante a última parte do século II, tinha restrições sobre o lugar de Hebreus no cânon do Novo Testamento. Por exemplo, a lista dos livros do Novo Testamento conhecida como Cânon Muratoriano, que presumivelmente data de 175 d.C., não inclui a Epístola aos Hebreus.
A razão para essas reservas pode ser encontrada nas controvérsias dos séculos II e III. Em 156 d.C., Montano, um autoproclamado teólogo da Ásia Menor, praticava o ascetismo e esperava que seus seguidores vivessem uma vida de santidade. Ele aplicava Hebreus 6.4-6 em todos os que cediam aos interesses mundanos e assim negava a essas pessoas a possibilidade de arrependimento. Então, em 250 d.C., o imperador Décio instigou uma perseguição contra os cristãos, muitos dos quais, sob pressão, negaram a fé cristã. Novatiano, natural da Frigia, na Ásia Menor, usou Hebreus 6.4-6 contra todos os cristãos que tinham caído por causa dessas perseguições. Novatiano era de opinião de que era impossível que eles se arrependessem; eles foram excluídos da igreja e tiveram sua readmissão negada. A aplicação dessa passagem da Escritura no rigoroso modo dos Montanistas e Novatianos não foi aprovada pela igreja. Por causa desses movimentos cismáticos, e o seu abuso dessa passagem em particular, a Epístola aos Hebreus não foi colocada entre os livros canônicos do Novo Testamento no Ocidente.

3. Século III
A igreja do Oriente (Egito e Síria), no entanto, aplicou a regra que para um livro do Novo Testamento ser canônico ele tinha de ser apostólico. A Epístola aos Hebreus era considerada como tendo sido escrita por Paulo, que era um apóstolo, e, portanto, foi aceita como livro canônico. Já em 175 d.C., Panteno disse que Paulo havia omitido seu nome na epístola por várias razões: Sua modéstia, seu respeito pelo Senhor e a grande quantidade de escritos de sua autoria. Embora essas razões não sejam convincentes, elas indicam que Panteno guardava no coração um certo grau de desconforto sobre a autoria Paulina.
Seu sucessor, Clemente de Alexandria, em aproximadamente 200 d.C., expressa o mesmo desconforto:

“E quanto à Epístola aos Hebreus, [Clemente] diz que de fato é de Pau¬lo, mas que foi escrita para os hebreus na língua hebraica, e que Lucas, tendo-a traduzido cuidadosamente, publicou-a para os gregos. ...As [palavras] "Paulo um apóstolo" não foram colocadas propositadamente. Pois ele diz, "ao escrever aos hebreus, que tinham desenvolvido um preconceito contra ele e desconfiavam dele, ele então muito sabiamente não os repeliu ao não colocar seu nome no começo".

Um manuscrito do papiro Alexandrino, listado como P46 e datado de aproximadamente 200 d.C., coloca a Epístola aos Hebreus entre as de Paulo. De fato, Hebreus vem depois de Romanos e antes de l Coríntios. E Atanásio, bispo de Alexandria, escreve em 367 d.C. sobre Hebreus e a coloca entre 2 Tessalonicenses e l Timóteo.
Na igreja Ocidental, Hebreus foi finalmente aceita no século IV. Alguns eruditos atribuíam-na a Paulo, mas outros duvidavam que Paulo fosse o autor. De qualquer forma, os concílios desse século colocaram Hebreus no cânon. O Concílio de Hippo Regius, em 393 d.C., fornece essa interessante observação: "Treze epístolas de Paulo, e uma do mesmo aos Hebreus". E o Concílio de Cartago, em 397 d.C., inclui Hebreus entre as epístolas de Paulo e simplesmente atribui catorze epístolas a Paulo.

QUANDO HEBREUS FOI ESCRITA?
Por causa de l Clemente, nós podemos dizer que Hebreus foi composta antes de 96 d.C. Nesse ano, Clemente de Roma escreveu sua epístola à igreja de Corinto e incorporou algumas citações e alusões de Hebreus à sua epístola. O limite externo da data da Epístola aos Hebreus é certo: Em alguma data antes de 96 d.C. Determinar um ponto de partida para a composição da epístola é difícil.

1. Evidência interna
Em Hebreus 2.3, o autor coloca-se entre os leitores como uma segunda geração de cristãos. Isto é, ele não havia ouvido o Evangelho dos lábios de Jesus, mas, junto com os leitores, tinha de confiar na pregação daqueles que tinham ouvido a Jesus. O autor, então, era um seguidor dos apóstolos, muitos dos quais podiam ainda estar vivos na época da composição da epístola. Várias passagens em Hebreus refletem um tempo no qual o amor ardente dos cristãos por Cristo tinha diminuído e o entusiasmo do período anterior tinha desaparecido.
Os leitores de Hebreus estavam em perigo de se desviarem do evangelho que tinham ouvido (2.1). Alguns deles podiam correr o risco de serem endurecidos pela falsidade do pecado (3.13). Alguns tinham o hábito de não mais irem aos cultos (10.25). Outros eram vacilantes no zelo espiritual (12.12).
O autor censura os leitores por terem falhado em aprender as doutrinas da Escritura. "Pois, com efeito, quando devíeis ser mestres, aten¬dendo ao tempo decorrido, tendes, novamente, necessidade de alguém que vos ensine, de novo, quais são os princípios elementares dos oráculos de Deus..." (5.12). Também seus líderes tinham morrido (13.7).
Nos primeiros dias, os leitores tinham resistido à perseguição depois de "terem recebido a luz" (10.32). Eles tinham experimentado sofrimentos, insultos e confisco de suas propriedades (10.34). O autor não fornece uma indicação a respeito da época em que a perseguição aconteceu. Embora sejamos inclinados a pensar no tempo depois do incêndio de Roma, em 64 d.C. - depois do qual as perseguições de Nero foram instigadas -, o autor não diz nada mais do que "lembrem-se daqueles primeiros dias".
As frequentes exortações - a prestar atenção (2.1), ao encorajamento mútuo (3.13), à perseverança (10.36), a correr com perseverança (12.1) e a resistir ao pecado (12.4) - deixam a impressão de que os destinatários da epístola viveram num período de paz religiosa. Eles parecem não estar mais sofrendo pelo fato de serem cristãos, como nas ocasiões anteriores. E por causa dos tempos de paz, um deslize religioso tornou-se uma ameaça distinta às pessoas às quais Hebreus foi endereçada.

2. Ambiente histórico
Se olharmos o ambiente histórico da segunda metade do século I, nós perceberemos que Nero tomou posse do trono imperial em 54 d.C. Uma década mais tarde, as perseguições contra os cristãos começaram; elas duraram até que Nero cometeu suicídio em 68 d.C. No período de um ano, em rápida sucessão, Galba, Otho e Vitellio reinaram sobre o Império Romano. Mas, em 69 d.C., Vespasiano, que na época era um general do exército romano que guardava a cidade de Jerusalém, tornou-se imperador. Ele amava a paz e a estabilidade; era um homem virtuoso, reto em caráter. Durante o seu reinado de dez anos, a paz voltou às regiões sobre as quais ele dominava no mundo de então, e, conseqiientemente, as perseguições contra os cristãos pararam.
Tito, o filho de Vespasiano, que tomou o lugar de seu pai como general do exército na Judéia, também seguiu em seus passos como imperador em 70 d.C. O seu breve reinado de dois anos foi marcado pelo mesmo desejo por paz e tranquilidade. Quando o irmão de Tito, Domiciano, começou a reinar sobre o império em 81 d.C., o curso de paz estabelecido por Vespasiano e continuado por Tito durou mais uma década. No final do seu reino, Domiciano iniciou perseguições que podem ter causado o exílio de João para a ilha de Patmos (Ap 1.9).
A História confirma que um declínio do fervor religioso ocorre mais frequentemente num período de paz e prosperidade do que em tempos de perseguição e pressão. Eu me aventuro a dizer que a Epístola de Hebreus reflete um período de prolongada paz, durante o qual os cristãos tinham relaxado espiritualmente. O escritor da epístola, então, sentiu-se obrigado a escrever palavras de exortação e de ocasional repreensão. A sua referência à perseguição que os leitores tinham enfrentado "naqueles dias" pode referir-se à perseguição de Nero nos anos de 64-68 d.C. A epístola provavelmente foi escrita no começo dos anos 80.

3. Contexto religioso
No entanto, uma consideração muito mais importante está relacionada à argumentação do autor sobre o sumo sacerdócio de Cristo. Quando o escritor está para discutir o tópico de Jesus como sumo sacerdote na ordem de Melquisedeque, ele diz que esse assunto é "difícil de explicar, porquanto tendes tornado tardios em ouvir" (5.11). A palavra difícil tem ecos que ressoam na comunidade hebraica. Para o judeu, o sacerdócio araônico era sacrossanto, porque Deus o tinha ordenado por lei (7.11,12). Nenhum judeu teria coragem de sugerir que o sacerdócio levítico deveria ser "revogado por sua fraqueza e inutilidade" (7.18) e declarar que "a lei nunca aperfeiçoou coisa alguma" (7.19). Se dissesse tão dura coisa, ele traria a ira e a indignação da comunidade hebraica sobre sua cabeça.
O fato de que o autor da epístola escreve ousadamente sobre colocar de lado o sacerdócio levítico pode ser melhor entendido quando nós colocamos a época da composição uma década ou mais depois da destruição do templo e o fim do sacerdócio araônico. O escritor, portanto, tinha a liberdade de se expressar sobre esse assunto sem incorrer na ira do povo judeu. Talvez essa seja uma das razões pelas quais os outros escritores do Novo Testamento tenham se abstido de discutir o sacerdócio de Cristo. Por exemplo, apesar do voto de purificação que Paulo fez para mostrar aos judeus em Jerusalém que ele estava vivendo em obediência à lei (At 21.22-26), ele foi acusado de ensinar doutrinas contra o povo judeu, a lei e o templo (At 21.28). O que Paulo não pôde fazer a respeito do sacerdócio, o escritor de Hebreus foi capaz de fazer, num tempo em que o sacerdócio e a lei, que dizia respeito ao mesmo, pertenciam ao passado.
Em nenhum lugar na Epístola de Hebreus nós encontramos qualquer menção ao templo em Jerusalém. O escritor discute o tabernáculo e o sacerdócio dos quarenta anos no deserto. Porque ele não faz qualquer referência ao templo ou à destruição de Jerusalém, ele pode sugerir que os serviços sacerdotais tinham terminado. E, por essa razão, ele volta a sua atenção para os estágios iniciais do sacerdócio levítico e a construção do tabernáculo.
A conclusão dessas observações é que não é improvável a data de Hebreus uma década depois da destruição do templo de Jerusalém e do fim do sacerdócio. Talvez Hebreus tenha sido composta entre 80 e 85 d.C.

QUEM FORAM os PRIMEIROS LEITORES?
Os receptores da Epístola aos Hebreus eram judeus cristãos. Onde estes Hebreus viviam, o autor não diz. Se ele tivesse dado alguma indicação do lugar de destino da epístola, nós não precisaríamos trabalhar com uma hipótese. Muitos lugares foram sugeridos: Jerusalém, a comunidade de Qumran perto do Mar Morto, Alexandria, Roma - só para mencionar alguns.

1. Israel
Se nós aceitarmos uma data de composição depois de 70 d.C, automaticamente Jerusalém e a comunidade de Qumran são excluídas. Depois que os romanos destruíram a cidade de Jerusalém, eles finalmente renomearam-na Aelia Capitolina e proibiram os judeus de se reestabelecerem lá. Também, a comunidade de Qumran se mudou durante os anos da ocupação romana.

2. Alexandria
Os estudiosos que dizem ser Alexandria o lugar onde os hebreus viviam, baseiam as suas suposições no fato de que Alexandria, por séculos, tinha sido o lar de muitos judeus. A Septuaginta originou-se ali para ajudar os judeus de fala grega a ler as Escrituras. E, de acordo com Atos 18.24, Alexandria era o lugar de onde Apolo veio. Mas nenhum escritor dos primeiros séculos testifica sobre o endereçamento a Alexandria e a autoria de Apolo. Precisamos procurar por outros luga¬res como destino.

3. Roma
Muitos fatores apontam para Roma. A saudação final da epístola menciona a Itália. "Os da Itália vos saúdam" (13.24). Considerando que a preposição da pode ser interpretada significando em - isto é, "aqueles que estão na Itália vos saúdam" - o significado comum fora da Itália parece ser preferido. Os cristãos da Itália que estavam fora de sua terra transmitem saudações aos seus amados na Itália, presumivelmente Roma.
O escritor de Hebreus endereça a sua carta à mesma congregação que recebeu a carta de Paulo aos Romanos? Não necessariamente. Muitas congregações floresceram na cidade imperial diante do rápido começo da igreja em Roma. (Por exemplo, os arqueólogos descobriram uma inscrição funerária em Roma que tem o nome de uma senhora cristã, co¬nhecida como Pomponia Grecina, que foi enterrada em 43 d.C.) Nós entendemos que, no curso do tempo, a igreja continuou a crescer em número. O autor de Hebreus faz uma distinção entre "líderes" e "povo" quando ele escreve, "Saudai todos os vossos guias, bem como todos os santos" (13.24). Ele parece deixar a impressão que endereça a sua epístola para uma congregação em particular em Roma.
Clemente de Roma citou a epístola logo depois que ela foi escrita. Embora a carta pudesse ter sido composta em algum outro lugar e logo trazida a Roma, uma carta endereçada aos hebreus em Roma circularia pelas congregações naquela cidade e, assim, estaria disponível para Clemente.
E, por último, os judeus eram muito numerosos na cidade imperial, como afirmam os historiadores romanos, assim como Flavio Josefo. Uma inscrição com a palavra Hebreus, datando do século II d.C., foi encontrada em Roma.
Nós nos sentimos confortáveis com a escolha de Roma, embora admitamos que podemos apenas usar a hipótese. E, no entanto, os fatos acumulados parecem apontar para essa escolha. Talvez a intenção do autor de Hebreus em omitir o lugar de destino pode ter sido para indicar que a sua epístola tem uma mensagem para a igreja universal. Espe¬cialmente em nossos dias, nos quais ouvimos a expressão o fim dos tempos repetidamente, a mensagem da Epístola aos Hebreus é muito relevante.

COMO HEBREUS PODE SER ESQUEMATIZADA?
Um esquema conciso de Hebreus pode ser facilmente memorizado com os sete pontos seguintes:
1.1-4 1. Introdução
1.5-2.18 2. Jesus é superior aos anjos
3.1-4.13 3. Jesus é maior que Moisés
4.14-7.28 4. Jesus é o sumo sacerdote maior
8.1-10.18 5. Jesus é o mediador de uma nova aliança
10.19-12.29 6. A obra de Jesus é aplicada pelo crente
13.1-25 7. Conclusão

A seguir, um esquema mais detalhado:
1.1-2.18 A superioridade de Jesus e sua função como salvador e sumo sacerdote
A. Introdução 1.1-4
B. Jesus é superior aos anjos 1.5-14
C. Jesus, salvador e sumo sacerdote 2.1-18

3.1-4.13 A superioridade de Jesus em relação a Moisés
A. Uma comparação entre Jesus e Moisés 3.1-6
B. Uma advertência contra a descrença 3.7-19
C. Um convite para entrar no descanso de Deus 4.1-13

4.14-5.10 O sumo sacerdócio de Jesus
A. Encorajamento para os leitores 4.14-16
B. Capacitação do sumo sacerdote 5.1-3
C. Cumprimento do ofício sumo sacerdotal 5.4-10

5.11-6.20 Exortações
A. Não se desviem 5.11-6.12
B. Firmes na promessa de Deus 6.13-20

7.1-28 Jesus: Sumo sacerdote como Melquisedeque
A. Melquisedeque, rei e sacerdote 7.1-10
B. O sacerdócio superior de Melquisedeque 7.11-19
C. O sacerdócio superior de Cristo 7.20-28

8.1-10.18 Jesus: Sumo sacerdote e sacrifício
A. O santuário celestial 8.1,2
B. Jesus o mediador 8.3-6
C. A nova aliança de Deus 8.7-13
D. O santuário terreno 9.1-10
E. O sangue sacrificial de Jesus 9.11-28
F. O sacrifício eficaz de Jesus 10.1-18

10.19-39 Mais exortações
A. Uma exortação a perseverar 10.19-25
B. Uma advertência a prestar atenção 10.26-31
C. Um lembrete para continuar 10.32-39

11.1-40 Os heróis da fé
A. Uma definição de fé 11.1-3
B. Três exemplos de fé: Abel, Enoque e Noé 11.4-7
C. A fé de Abraão 11.8-19
D. A fé de Isaque, Jacó e José 11.20-22
E. A fé de Moisés 11.23-29
F. Fé em Jericó 11.30,31
G. Heróis da fé conhecidos e desconhecidos 11.32-40

12.1-13.25 Admoestações e exortações
A. Disciplina divina 12.1-13
B. Uma advertência divina 12.14-29
C. Deveres sociais 13.1-6
D. Deveres eclesiásticos 13.7-17
E. Orações e bênçãos 13.18-21
F. Saudações finais 13.22-25

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