sábado, 12 de abril de 2008

2ª Carta de Pedro


O título desta epístola é "A Segunda Carta de Pedro" (como, por exemplo, na RSV), "2 Pedro" (NIV) ou "A Segunda Epístola Geral de Pedro" (KJV). Para o tradutor, a escolha depende do texto dos manuscritos gregos. Se adotamos a regra de que o texto mais curto é, provavelmente, o mais original, então damos preferência ao título 2 Pedro. Sabemos que escribas da Antigüidade tinham a tendência de acrescentar ao texto, mas abomina¬vam tirar qualquer coisa dele.
Independente das palavras exatas do título, o livro pertence à categoria das oito cartas conhecidas como epístolas gerais (Hebreus, Tiago, l e 2 Pedro, 1-3 João, Judas), que eram dirigidas a igrejas e indivíduos. Essas epístolas circulavam entre as igrejas.
Além disso, a epístola leva o nome de Pedro, que é conhecido nos evangelhos e em Atos como o porta-voz dos 12 apóstolos. Apesar da auto-identificação, ou talvez por causa dela, os estudiosos discutiram a questão da autoria. Durante séculos, questionaram se Pedro ou uma pessoa que tomou o seu nome teria na verdade escrito esta carta.

A. Quem Escreveu a Epístola?
1. Nome
Tomando como base uma pesquisa de livros e artigos escritos no século XX, concluímos que essa epístola tem sofrido negligência acadêmica. Essa negligência pode ser atribuída a uma idéia aceita por muitos estudiosos de que o apóstolo Pedro não escreveu essa carta. Afirmam que foi um autor do final do século I ou começo do século II que tomou o nome de Pedro e redigiu a epístola. Os estudiosos que aceitam a autoria apostólica da epístola também não têm dado a devida atenção a 2 Pedro. Infelizmente, portanto, "a epístola em nosso cânon que historicamente foi atribuída ao apóstolo Pedro recebeu, provavelmente, menos atenção do que nunca no século 20".
A questão encarada pelos autores é que ou eles aceitam a autoria apostólica ou propõem que 2 Pedro foi escrita por um autor com pseudónimo. Mas, antes de chegar a qualquer conclusão sobre esse assunto, desejamos examinar as declarações do autor nas saudações de abertura e no resto na epístola.
O autor se identifica logo no começo da carta. Ele se autodenomina Simão Pedro, que nos melhores manuscritos gregos aparece como Simeão Pedro. Essa segunda combinação é peculiar. No original, o único outro lugar em que o nome Simeão é usado para Pedro é em Atos 15.14. Na segunda epístola, porém, os dois nomes - Simão Pedro - identificam o apóstolo. O nome Simeão é tipicamente hebraico e identifica o judeu idoso que abençoou Jesus no templo (Lc 2.25-35), um dos ancestrais de Jesus (Lc 3.30) e um certo profe¬ta e mestre judeu chamado Simeão Níger, em Antioquia (At 13.1).
Enquanto 2 Pedro 1.1 traz a combinação Simeão [Simão] Pedro, l Pedro 1.1 começa unicamente com o nome Pedro. A combinação Simeão Pedro não aparece em nenhum outro lugar, nem mesmo na literatura pós-apostólica. De qualquer modo, de um ponto de vista humano, o autor prefere usar a forma hebraica Simeão, porque esse nome lhe é precioso.

2. Função
O autor se apresenta como "servo e apóstolo". O termo servo é uma expressão geral que, no contexto da igreja, aplica-se aos apóstolos e seus ajudantes. Para ser mais específico, o autor acrescenta a palavra apóstolo para indicar que ele é um dos 12 apóstolos de Cristo, ou seja, como apóstolo, Pedro recebeu autoridade de Jesus Cristo, que o enviou como seu representante. Como um apóstolo, Pedro apresenta a mensagem daquele que o enviou, de modo que, em sua epístola, ele fala com a autoridade de Cristo. Jesus Cristo delegou sua autoridade aos 12 apóstolos e a Paulo para falar em seu nome.
A carta de Pedro é uma epístola que tem como origem a autoridade que Jesus Cristo estendeu para seus apóstolos. Colocando de forma negativa, a expressão apóstolo significa que essa epístola não foi escrita sem autoridade divina. De modo positivo, quer dizer que Pedro serve de porta-voz para Jesus Cristo. Esse termo, portanto, não deve ser subestimado, pois diz respeito à autoria de 2 Pedro.

3. Exemplos
Ao longo de sua epístola, Pedro faz alusão a incidentes que só são conhecidos através dos evangelhos. As palavras exatas são consideravelmente diferentes dos acontecimentos registrados nos evan-gelhos. Esse fato, em si, não é surpreendente, pois Pedro não se baseou em outros para lhe dar as informações mais importantes. Ele foi testemunha ocular; ainda podia sentir as palavras de Jesus ecoando em seus ouvidos, por assim dizer. Com suas próprias palavras, ele relata os detalhes desses acontecimentos.
Um dos exemplos é quando Pedro se lembra da previsão de Je¬sus sobre a morte do apóstolo (1.14). Pedro não precisou usar nin¬guém como referência para lhe dar detalhes dessa previsão. Na verdade, o registro em João 21.18 só foi escrito décadas depois da morte de Pedro. O apóstolo sabia que sua partida desta vida era iminente e, assim, escreveu que seu corpo físico logo seria descartado.
Um outro exemplo das lembranças de Pedro está relacionado à sua presença no monte da transfiguração, onde Jesus foi glorificado na presença de Moisés e Elias (1.16-18). O relato de Pedro difere daquele nos evangelhos (Mt 17.1-8; Mc 9.2-8; Lc 9.28-36). Em sua epístola, Pedro não menciona Moisés nem Elias. Ele não repete o seu comentário, registrado nos evangelhos sinóticos, sobre erguer três tendas. No grego, as palavras "este é o meu filho amado, em quem me comprazo" (1.17) são diferentes da forma como aparecem nos evangelhos, e a exortação “a ele ouvi” está faltando. Pedro se lembra das palavras de Deus Pai, que estão marcadas indelevelmente em sua memória. Apesar de ser possível que autor de 2 Pedro tenha recebido esse material de uma fonte oral, "é muito mais natural supor que este seja o relato genuíno de uma testemunha ocular".
Um terceiro exemplo é o relacionamento de Pedro com Paulo, a quem ele chama de "nosso amado irmão" (3.15). Pedro coloca as epístolas de Paulo no mesmo nível do Antigo Testamento e as chama, assim, de Escrituras. Para Pedro, tanto os escritos dos profetas do Antigo Testamento (comparar com 1.21; l Pe 1.11,12) quanto aqueles dos apóstolos do Novo Testamento são Escrituras. Por causa de seu apostolado, Pedro deixa implícito que suas epístolas também são inspiradas e têm autoridade de Escrituras. Pedro estava familiarizado com o conteúdo das cartas de Paulo e expressa sua opinião sobre as dificuldades que algumas pessoas estavam tendo em interpretar estas epístolas. É claro que não há evidências de que Paulo estivesse vivo. O que importa não é Paulo, mas os seus escritos. Ainda assim, o tratamento "nosso amado irmão" certamente demonstra que os leitores conheciam Paulo pessoalmente. Mesmo que Paulo não tivesse evangelizado naquela região, é possível que ele os tivesse visitado.

4. Objeções
Quanto a autoria de 2 Pedro só existem duas posições, e elas influenciam na interpretação dessa epístola: ou foi Pedro quem a escreveu, ou ela vem com um pseudônimo usado por um falsificador ou um secretário. Os estudiosos que têm objeções à autoria apostólica apontam para vários problemas na epístola. Esses problemas são importantes e merecem uma discussão séria. Mesmo que alguns escritores estejam absolutamente certos de que Pedro não pode ser o autor dessa epístola, as evidências que apresentam não são convincentes.
Eis algumas das objeções apresentadas pelos estudiosos.
Nome
A combinação Simeão Pedro (1.1) é prova da atuação de um falsificador. Um autor pseudonômico escolheu essa combinação, que faz a carta parecer autêntica. Pedro é conhecido como Simão ou pelo nome que lhe foi dado, Pedro, ou ainda pelo aramaico Cephas, mas não como Simeão. Porém, é mais provável que o uso de "Simeão Pedro", ao invés de "Simão Pedro", tenha vindo do próprio apóstolo do que de um falsificador. Tendo em vista a saudação em 1 Pedro 1.1 ("Pedro") e a referência a uma primeira epístola (2Pe 3.1), seria de se esperar que um falsificador usasse simplesmente a forma Pedro, ao invés da combinação Simeão Pedro.
Escritos
Na opinião de alguns estudiosos, as palavras usadas em 1.15 representam uma tentativa por parte de um falsificador de ligar o Evangelho de Marcos a Pedro, mas isso é uma suposição. O texto em si é vago demais para determinar se o autor está se referindo às declarações doutrinárias que fez nos versículos anteriores, a uma carta que foi perdida, ou a uma carta que ele pretendia escrever, mas não o fez. Não somos capazes de determinar a natureza do instrumento usado para reavivar a memória do leitor.
Um segundo ponto que desacredita a autoria apostólica é a afir¬mação do autor de que essa é a segunda carta que ele escreve (3.1). A suposição é de que o autor sob pseudónimo quer ligar sua carta à primeira epístola de Pedro. Porém, se Pedro é o autor de ambas as cartas, os leitores esperariam que ele fizesse esse comentário com naturalidade. O argumento, portanto, ao invés de desacreditar a auto¬ria de Pedro, parece confirmá-la.
Uma última objeção diz respeito à referência do autor às epístolas de Paulo. De acordo com os estudiosos, esses escritos só foram incorporados ao cânon nas duas últimas décadas do século I. Pedro morreu durante o reinado de Nero e, assim, não poderia ter escrito 2 Pedro. Porém, essa afirmação é questionável. Que prova temos, por exemplo, de que as epístolas de Paulo só foram aceitas no cânon nas duas últimas décadas do século I? O próprio Paulo testifica o fato de que suas cartas possuíam autoridade divina. Ele diz aos coríntios que transmite sua mensagem "não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito" (1Co 2.13). Em seguida, Paulo responde afirmativamente aos coríntios, que exigem uma "prova de que [nele] Cristo fala" (2Co 13.3), e faz elogios aos tessalonicenses por receber seus ensinamentos "não como palavra de hoens e, sim, como em verdade é, a palavra de Deus" (1Ts 2.13). As evidências para a aceitação das epístolas de Paulo, portanto, indicam uma data mais antiga, e não mais recente.
Data
A discussão sobre a origem de 2 Pedro concentra-se na oração “desde que nossos pais morreram” (3.4). Se a expressão “os pais” denota que a primeira geração de cristãos faleceu, então o autor está escrevendo no final do século I. Pelo fato de o apóstolo Pedro ter morrido na época do imperador Nero, ou seja, antes de 68 d.C., al¬guns estudiosos consideram esse versículo (3.4) prova irrefutável de que a carta foi escrita sob um pseudónimo. Porém, já durante a se¬gunda viagem missionária de Paulo (50-53 d.C.), os cristãos em Tessalônica perguntaram a Paulo o que seria daqueles que "dormem" (1Ts 4.13). Paulo responde dizendo que "também Deus, mediante Jesus, trará juntamente em sua companhia os que dormem" (v. 14). Supomos que a pergunta sobre o falecimento de entes queridos tenha surgido em várias ocasiões na comunidade cristã durante a metade do século I.
Se as palavras “os pais” significam a mesma coisa que em Atos 3.13, Romanos 9.5 e Hebreus 1.1, então referem-se aos patriarcas do Antigo Testamento, e, se essa é a interpretação correta, então já não é mais uma questão de se datar 2 Pedro mais precisamente nas duas últimas décadas do século I. Não é inconcebível que a data de 2Pedro situe-se na metade da década de 60.

Estilo
Mesmo na tradução, o leitor das duas epístolas de Pedro observa uma diferença de estilo. Em 1 Pedro, a forma de apresentação é suave e polida. O mesmo já não é verdade na segunda epístola de Pedro, na qual o estilo é abrupto, as palavras são formais e o significado de muitas passagens é obscuro. No grego, as habituais partículas que ligam frases e orações não estão presentes. O uso do artigo definido é pouco frequente, a presença de palavras que só podem ser encontradas em 2 Pedro, mas não no resto do Novo Testamento, é enorme (57 palavras) e a "porcentagem de expressões deslocadas" é fora do comum.
Como justificar essas diferenças de estilo? No século I, muitas vezes as pessoas dependiam de secretários para ajudá-las a escrever cartas ou documentos. Na epístola de Paulo aos romanos, Tércio reconhece que ele escreveu essa carta (Rm 16.22). Pedro informa aos leitores que foi assistido por Silas (Silvano) quando escreveu sua primeira epístola (5.12). Considerando o fato de que Pedro não men¬ciona o nome de um escriba em sua segunda carta, é plausível a possibilidade de que Pedro não tenha recebido ajuda.
Os pais da igreja, no século II, citam nomes de pessoas que assistiram Pedro em seus escritos. Por exemplo, Papias, bispo de Hierápolis, perto de Colossos (125 d.C), que havia sido discípulo de João, diz que Marcos tornou-se intérprete de Pedro, e Clemente de Alexandria, que viveu da metade do século II até a segunda década do século III, menciona um dos escribas de Pedro que ele chama de Gláucio. A diferença de estilo nessas duas epístolas de Pedro pode ser atribuída a dois escribas, mas, pelo fato de Pedro não mencionar o uso de um secretário em sua segunda epístola, jamais teremos certeza sobre essa questão.
Secretário
Alguns estudiosos afirmam que 2 Pedro foi escrita por um secretário décadas depois da morte do apóstolo. Eles baseiam sua teoria na diferença de tempo que encontram em 1.13 e 15. Afirmam que um secretário que fala em nome de Pedro escreve: "Também considero justo, enquanto estou neste tabernáculo, despertar-vos com essas lembranças" (v. 13). Aqui, o escriba está falando do ministério ativo de Pedro. Porém, no versículo 15, o secretário de Pedro coloca palavras na boca do apóstolo para refletir a passagem do tempo: "E farei todo o esforço possível para que depois de minha partida vocês possam se lembrar sempre dessas coisas". No versículo 15, portanto, está a referência à morte de Pedro.
Estudiosos supõem que um secretário está redigindo um testamento para Pedro depois da morte do apóstolo e que está falando com a autoridade de Pedro. Mesmo que a ligação entre Pedro e o secretário seja explicada em função da diferença de tempo em 1.13 e 15, essa explicação não tem provas substanciais e "deve permanecer uma hipótese". No caso de Tércio (Rm 16.22) e de Silas (IPe 5.12), esses dois escribas trabalhavam diretamente com Paulo e Pedro, respectivamente. Não há provas de que um secretário tenha redigido uma carta independente de um apóstolo e publicado a mesma décadas depois da morte do apóstolo. É verdade que, no século I, os autores, com frequência, empregavam secretários para escrever suas epístolas, mas a igreja só aceitou seus documentos como sendo autênticos, porque escreveram a pedido de apóstolos. Portanto, devemos concluir que essa teoria tem diante de si a difícil tarefa de evitar a acusação de pseudonímia.
Já nos tempos do Novo Testamento, a igreja rejeitou escritos sob pseudónimos. Paulo instruiu a igreja de Tessalônica dizendo: "não vos demovais da vossa mente, com facilidade, nem vos perturbeis, quer por espírito, quer por palavra, quer por epístola como se procedesse de nós" (2Ts 2.2). Ele advertiu aos leitores para que não fossem enganados de qualquer maneira. Se um falsificador redigisse uma carta no nome de um apóstolo, sua epístola seria considerada suspeita e ser-lhe-ia negada a canonicidade. A igreja rejeitou escritos sob pseudónimos que traziam o nome de Pedro (como, por exemplo, o Evangelho de Pedro, Atos de Pedro, os Ensinamentos de Pedro, e Apocalipse de Pedro), considerando-os documentos não-inspirados.
Surge a questão: o Espírito Santo inspiraria uma epístola de al¬guém falando no nome de Pedro, mas escrevendo independente do apóstolo? Apesar de um escriba poder tentar representar Pedro, ele jamais seria capaz de justificar a palavra apóstolo (1.1). Além do mais, por não ser um apóstolo, essa pessoa não teria autoridade apos¬tólica, e o Espírito não daria inspiração à epístola de um secretário. Na igreja primitiva, circulavam muitos documentos que eram instrutivos e informativos (como, por exemplo, o Didaquê, l Clemente, a Epísto-la de Barnabé). Porém, esses manuscritos relevantes nunca se tornaram parte das Escrituras. 2 Pedro, pelo contrário, é uma carta inspirada que pertence ao cânon do Novo Testamento.

5. Conclusão
Na questão da autoria, os dois lados enfrentam problemas que são difíceis de explicar. Os proponentes da autenticidade apostólica da epístola precisam explicar o uso alternado do tempo presente e do futuro. O autor observa, por exemplo, que haverá falsos mestres no meio do povo de Deus (2.1), mas, ao longo de seu discurso, afirma que esses mestres já estão atuando (2.10-12). O autor está apresentando uma realidade e uma profecia no mesmo documento? É claro que um autor tem a liberdade de variar seu estilo, incluindo o uso do tempo presente e futuro. Ainda assim, as variações dessa epístola continuam sendo problemáticas.
Os oponentes da autoria apostólica também enfrentam vários problemas. Devem explicar as lembranças pessoais e as alusões des¬sa epístola. Por que o autor menciona sua morte iminente (1.14)? E por que o falsificador escreve: "Nós mesmos fomos testemunhas ocu¬lares da sua [de Jesus] majestade" (1.16)? Por fim, como pode um autor escrevendo sob pseudônimo referir-se a Paulo como "nosso amado irmão" (3.15)?
A escolha fica entre a autoria apostólica de 2 Pedro e um docu¬mento escrito por um falsificador. Donald Guthrie escreve: "Ambas obviamente apresentam algumas dificuldades, mas, das duas, a primeira é mais fácil de explicar". Explicar a autoria apostólica de 2 Pedro é mais fácil do que desacreditá-la. Por essa razão, concluo que, apesar dos problemas que encontramos nessa epístola, aceitar a autoria de Pedro é uma opção viável.

B. Qual é a Relação da Epístola com Outros Livros?
1. 1ª Pedro
Se as duas epístolas de Pedro são mesmo apostólicas, qual é a relação entre essas duas cartas? Há semelhanças na escolha de pa¬lavras, citações do Antigo Testamento, estrutura na redação, conteú¬do e teologia?
A diferença de vocabulário entre 1 Pedro e 2 Pedro é óbvia para qualquer um que leia o texto dessas epístolas no grego. Para o leitor, o vocabulário de 1 Pedro não é insuperável, mas a variedade de palavras em 2 Pedro parece ser enorme. Mesmo que a linguagem de 2 Pedro seja pomposa e excessivamente rebuscada, o estilo dessa composição não está em desarmonia com o estilo de 1 Pedro. Se considerarmos 2 Pedro como o último discurso do apóstolo, então podemos apreciar esse documento como um "testamento", no qual Pedro exorta os leitores a "[crescer] na graça e no conhecimento" de Jesus Cristo (3.18).
Além do mais, em ambas as epístolas aparece o hábito peculiar hebraico de repetir palavras. Dos muitos exemplos da primeira epístola de Pedro, eis uma ilustração: "A palavra do Senhor, porém, per¬manece eternamente. Ora, esta é a palavra que vos foi evangelizada" (1.25). Eis dois exemplos de 2 Pedro: "[Eles] blasfemam em assuntos que não compreendem... também hão de perecer" (2.12, NASB); "Serão pagos com o mal pelo mal que fizeram" (2.13).
Na primeira epístola de Pedro, muitas das alusões e citações são de Provérbios. Na segunda carta, apenas uma citação do Antigo Testamento é de Provérbios 26.11: "O cão voltou ao seu próprio vómito" (2.22). Além das citações do Antigo Testamento, descobrimos vários paralelos entre estas duas epístolas:
1 Pedro...............................2 Pedro
1.10-12 inspiração do Antigo Testamento 1.19-21
1 .2 doutrina da eleição 1.10
1.23 doutrina do novo nascimento 1.4
2.11,12 necessidade de santidade 1.5-9
3.19 anjos pecadores em prisão 2.4
3.20 Noé e sua família são protegidos 2.5
4.2-4 imoralidade e julgamento 2.10-22
4.7-11 exortação ao viver cristão 3.14-18
4.11 doxologia 3.18
A similaridade estrutural entre as duas epístolas de Pedro é ine¬gável e sustenta a probabilidade de que um autor tenha redigido as duas cartas. O material apresentado em ambos os documentos ofe¬rece evidências substanciais que indicam que essas cartas são o produto de um único autor.
O assunto principal nas duas epístolas de Pedro é diferente. Em sua segunda epístola, o autor desenvolve o tema escatológico do julgamento divino, da destruição do mundo e da promessa de novos céus e nova terra. Especialmente no terceiro capítulo de sua segunda carta, ele se refere ao dia do Senhor, que é o dia do julgamento, e um dia de Deus (vs. 7,8,10,12). 1 Pedro, pelo contrário, tem apenas uma alusão clara ao dia do julgamento (2.12).
De um modo geral, o ensinamento quanto a Cristo praticamente não difere nas duas epístolas. Cristo é chamado de "Deus" no versículo de abertura de 2 Pedro e a doxologia é dirigida a Cristo (3.18). O escritor dessa segunda epístola usa de forma intercambiável as palavras Senhor e Deus e, portanto, indica a divindade de Cristo (3.8,9,10). Da mesma forma, em 1 Pedro, o autor usa o termo Senhor para Jesus e Deus (1.3; 3.15; 1.25; 3.12 respectivamente). Enquanto o tema do sofrimento de Cristo, sua morte, ressurreição e ascensão aparecem na primeira epístola de Pedro, em sua segunda carta a ênfase fica sobre a transfiguração de Jesus. Uma última observação sobre a cristologia de 2 Pedro é que o autor mostra preferência pelo uso do termo Salvador para se referir a Jesus (1.1,11; 2.20; 3.2,18).
Concluímos que a relação entre as duas epístolas de Pedro não é insignificante. Excetuando as saudações pessoais (1.1), suas lembran¬ças da transfiguração de Jesus (1.16-18) e sua expressão de amizade por Paulo (3.15), as evidências internas de 2 Pedro confirmam a autoria apostólica. Em ambas as epístolas, a ênfase de Pedro na inspiração das Escrituras é reveladora. Ele afirma que o Espírito Santo mo¬veu homens a falar, de modo que os escritores humanos não publicaram suas próprias idéias, mas a revelação de Deus. Para Pedro, o Antigo Testamento e as epístolas de Paulo são Escrituras. Por impli¬cação, as cartas de Pedro (redigidas por um apóstolo de Jesus Cristo) também pertencem às Escrituras.
Encontramos semelhanças entre as duas epístolas de Pedro, mas, ao compararmos 2 Pedro e Judas, vemos paralelos diretos. Com respeito a esses paralelos, surge a questão da primazia. Foi o autor de 2 Pedro que se baseou na epístola de Judas, ou foi Judas quem tomou emprestado material da segunda epístola de Pedro? Ou, ainda, as duas cartas são dependentes de uma fonte em comum?

2. Judas
Eis as três possibilidades.
Dependência de Judas
Uma rápida leitura do segundo capítulo de 2 Pedro e da Epístola de Judas prova a qualquer leitor o paralelismo que há entres esses escritos. A carta de Judas tem um total de 25 versículos, e 19 encontram paralelos em 2 Pedro. Esse paralelismo inclui não apenas palavras e frases, a sequência da apresentação também é praticamente a mesma.
Que argumentos podemos reunir em favor da primazia de Judas? Em primeiro lugar, aplicamos a regra básica de que, quanto mais curto é o texto, mais provável é que seja o original. Os autores tendem a fazer acréscimos ao texto, e não a reduzir o seu tamanho. Fazemos a seguinte pergunta: por que um autor apresentaria uma versão mais curta (Judas) de um texto (2 Pedro) que já está em circulação? Assim, tendo em vista que a Epístola de Judas é mais curta do que 2 Pedro, parece-nos razoável aceitar que ela tenha sido escrita primeiro.
Em segundo lugar, se aceitamos a autoria de Pedro para as duas Epístolas com o seu nome, vemos que Pedro copia passagens da Epístola de Tiago. Tiago escreveu sua carta aproximadamente duas décadas antes de Pedro redigir sua primeira epístola. No quinto capítulo de sua primeira epístola, Pedro toma emprestadas palavras de Tiago e expande esse material a fim de adequá-lo à sua apresentação. De maneira semelhante, Pedro usa a Epístola de Judas como fonte para sua segunda carta e desenvolve em detalhes esse conteúdo de acordo com o uso que deseja fazer dele. Pedro, portanto, deve tanto a Tiago quanto a Judas, que eram irmãos (Jd 1). O fato de Pedro receber seu material de outros escritores não afeta a autoria apostólica.

Dependência de 2 Pedro
Alguns autores defendem a idéia de que Judas depende da se¬gunda epístola de Pedro como fonte de material. Preferem a primazia de 2 Pedro por vários motivos. A primeira observação diz que é mais provável que um escritor de menor importância tome emprestado de um escritor de maior importância do que o contrário. Afirmam que Judas, que não era um apóstolo, teria usado material do líder dos apóstolos, Pedro. Para eles é difícil crer que Pedro dependesse de Judas, que mal é conhecido na igreja cristã. Porém, esse argumento traz consigo alguns problemas. O perigo do subjetivismo fica aparen¬te, por exemplo, quando declaramos que Pedro não poderia ter toma¬do emprestadas passagens de Judas e dizemos que Judas precisou consultar 2 Pedro. Além disso, não sabemos quanta influência é pos¬sível que Judas tivesse na igreja como um todo durante a metade do século I. A importância de sua relação como meio-irmão de Jesus e irmão de Tiago não deve ser subestimada.
Em segundo lugar, o autor de 2 Pedro melhora o estilo de Judas em pelo menos uma passagem. Judas 12b,13 traz as seguintes palavras: "Nuvens sem água impelidas pelos ventos;... estrelas errantes para as quais tem sido guardada a negridão das trevas, para sempre". Mas o texto de 2 Pedro 2.17 é mais claro: "Esses tais são como fonte sem água, como névoas impelidas por temporal. Para eles está reservada a negridão das trevas".
Também o texto de Judas 4, "Pois certos indivíduos se introduziram com dissimulação, os quais desde muito foram antecipadamente pronunciados", é uma possível referência à segunda epístola de Pedro, caso consideremos que Judas foi escrito depois. O mesmo acontece com Judas 17: "Contudo, caros amigos, lembrem-se do que os apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo profetizaram". Ambas as passagens parecem indicar um lapso de tempo equivalente à passagem de muitos anos. Apesar de a expressão desde muito ser importante, apresentamos objeção quanto à falta de provas de que Judas 4 se refere a 2 Pedro, e devemos admitir que o plural apóstolos (v. 17) parece fora de lugar, tendo em vista sabermos que 2 Pedro foi escrito por um único apóstolo.
Por fim, o uso do tempo presente em 2 Pedro 2.1-3 e 3.3 parece indicar previsões. Em Judas 4,17,18, o autor emprega o tempo presente para indicar que cumpriu-se a previsão. Chegamos, portanto, à conclusão de que 2 Pedro precede a Epístola de Judas. Porém, em sua segunda carta, Pedro alterna os tempos presente e futuro quando se refere aos falsos mestres e escarnecedores. Esse fato enfraque¬ce consideravelmente o argumento.
De um modo geral, as evidências que foram apresentadas pare¬cem favorecer a primazia de Judas, ou seja, Judas é a fonte de 2 Pedro. Outra solução para o problema encontra-se na teoria de que ambos os autores apoiaram-se numa fonte em comum.

Dependência de um documento em comum
Essa teoria propõe que tanto Pedro quanto Judas estavam a par de um documento escrito em hebraico e aramaico e que ambos o traduziram e usaram-no para suas respectivas epístolas. Não se pode negar a probabilidade de que panfletos entrassem nas comunidades cristãs primitivas. Paulo, por exemplo, refere-se a profecias, relatos e cartas que chegaram até a igreja de Tessalônica (2Ts 2.2). Porém, devemos concluir que, apesar de ser possível que ambos os autores tenham usa¬do como referência uma fonte em comum, faltam-nos as evidências. Por mais atraente que seja, essa teoria continua sendo uma hipótese. Devemos fazer um último comentário. Com respeito aos evan¬gelhos sinóticos, os estudiosos usam o termo interdependência para mostrar que Lucas e Marcos, que foram companheiros de trabalho de Paulo, compartilharam suas informações e documentos ao escrever os evangelhos. Talvez o termo interdependência também possa ser usado, se tomarmos como pressuposto que Pedro e Judas trabalharam juntos aproximadamente na mesma região.

C. Quem Recebeu a Epístola?
Usando como referência a própria carta, não podemos responder diretamente essa questão. Nas saudações, o autor declara seu nome (Simão Pedro) e função (servo e apóstolo de Jesus Cristo), mas não identifica os destinatários de sua epístola. Observe que em 1 Pedro o autor menciona que os leitores estão em seu local de residência. Ele os identifica como "povo eleito de Deus, forasteiros no mundo, no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia" (1.1). Mas, em 2 Pedro, o autor diz apenas: "Aos que conosco obtiveram fé igualmente preciosa na justiça de nosso Deus e Salvador Jesus Cristo" (1.1). A segunda carta de Pedro parece ser uma epístola geral, que não se dirige a nenhum grupo em particular.
Em 2 Pedro, porém, o autor se dirige aos leitores pessoalmente. Ele declara que "esta é agora a segunda epístola que vos escrevo" (3.1). Se interpretarmos essas palavras como uma referência a 1 Pedro, podemos concluir que os leitores moram no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia. Além disso, os leitores estão familiarizados com as epístolas de Paulo (ver 3.15,16), pois algumas das cartas paulinas foram escritas para os cristãos da Ásia Menor.
Nem todos os estudiosos interpretam a frase a segunda epístola como uma referência a l Pedro. Na opinião de alguns comentaristas, essa frase indica uma outra carta que Pedro redigiu e que não mais existe. Essa suposição os leva a concluir que 2 Pedro não oferece nenhuma informação sobre seus leitores. Devemos dizer, porém, que é necessário lançar mão de uma hipótese quanto à "segunda carta", apenas quando tiverem fracassado outras tentativas de explicar essa frase.
Quem são as pessoas a quem Pedro se dirige em sua carta? Assim como em 1 Pedro, partimos do pressuposto de que os destinatários de 2 Pedro são tanto cristãos judeus quanto cristãos gentios. Tendo como base o conteúdo de 2 Pedro, é impossível distinguirmos entre os cristãos de origem cristã ou judia. Em 2 Pedro, por exemplo, observamos o uso e dependência do Antigo Testamento, elemento que também é evidente em l Pedro. Em ambas as epístolas, o autor cita e faz alusões ao Antigo Testamento; em ambas as cartas ele menciona o dilúvio do qual foram protegidos Noé e seus familiares e, em ambos os documentos, ele ensina a doutrina da inspiração divina.
Observe as semelhanças entre l Pedro e 2 Pedro. Em ambas as cartas o autor desperta os leitores da letargia espiritual (ver l Pe 1.13; 4.7; 2Pe 1.5,10; 3.17). Nessas duas epístolas, Pedro exorta os leitores a atentarem para o dia do julgamento (comparar l Pe 2.12; 2Pe 3.12). E, nesses escritos, o autor exorta os destinatários a seguirem o exemplo de Jesus Cristo. Assim, as admoestações de Pedro não se aplicam apenas aos cristãos judeus, mas também aos cristãos gentios. Não encontramos nenhuma frase que seja aplicável somente aos cristãos judeus e não àqueles cristãos que eram gentios. Em nenhuma parte o autor faz distinção entre os dois grupos, tendo em vista que dirige suas exortações a todos os crentes. Concluímos, portanto, que os primeiros leitores de 2 Pedro são provavelmente aqueles que receberam anteriormente a primeira epístola de Pedro.

D. Qual é o propósito de 2 Pedro?
Paulo escreve duas cartas à igreja de Tessalônica e duas aos coríntios. Assim, também, Pedro dirige duas epístolas aos cristãos da Ásia Menor. Do mesmo modo que Paulo demonstra seu interesse e preocupação para com os crentes em Tessalônica e em Corinto ao enviar-lhes epístolas sucessivas, Pedro age como pai espiritual de seus leitores. Ele completa sua obra literária ao redigir uma segunda epístola, na qual adverte os crentes sobre os perigos dos falsos mestres que se infiltraram nas comunidades cristãs.

1. Propósito e unidade
A segunda epístola tem três partes distintas: uma exortação aos crentes para que cresçam espiritualmente (capítulo 1), instruções a eles para que se oponham às doutrinas e ao estilo de vida desses falsos mestres (capítulo 2) e ensinamentos que os preparam para o fim do mundo, o julgamento e o dia do Senhor (capítulo 3).
Pedro se dá conta de que o fim de sua vida está próximo. Antes de partir aqui da terra, ele deseja dar aos seus leitores algumas diretivas, de modo que possam rejeitar heresias e amadurecer espiritualmente no conhecimento de Cristo. Ele desperta os leitores da letargia espiritual e insta-os a acrescentar à fé as virtudes da bondade, conhe¬cimento, domínio próprio, perseverança e justiça, a permanecerem firmemente fundamentados na verdade, a ouvirem atentamente o evan¬gelho de Cristo, proclamado por testemunhas oculares, e a atentarem para as Escrituras inspiradas (1.12-21).
À primeira vista, o capítulo 2 parece ser um documento completamente distinto. Na verdade, alguns estudiosos afirmam que esse capí¬tulo é independente e trata-se de um paralelo da Epístola de Judas, mas esse não é o caso, pois o apóstolo encoraja e admoesta os cristãos a crescerem espiritualmente. Ele os fortalece em sua fé para que possam compreender suas advertências contra os falsos mestres. Pedro adverte os leitores sobre os falsos profetas que aparecem em seu meio com heresias destrutivas que corrompem vidas (vs. 1,2,13,14). Assegura-os de que essas pessoas ímpias serão punidas quando se depararem com uma rápida destruição (vs. 3 e 4). O autor apoia suas observações, fazendo uso de exemplos do passado, quando o julgamento veio sobre os anjos caídos, sobre os con¬temporâneos de Noé e sobre os cidadãos companheiros de Ló (vs. 4 a 8). Pedro compara os falsos mestres a Balaão, que foi repreendido por um jumento (vs. 15 e 16). Ele observa que esses hereges estão determinados a desviar os cristãos ao prometer-lhes liberdade, mas, ao invés disso, transformam-nos em escravos da corrupção (vs. 17a 22).
No capítulo 3, Pedro continua seus ensinamentos dos dois primeiros capítulos. Ele volta a atenção dos leitores para o dia do Senhor, que é um dia de acerto de contas e destruição para os escarnecedores (vs. 3 a 7). Pedro também desenvolve sua doutrina sobre o fim dos tempos, revelando como os céus e a terra de agora chegarão ao fim (vs. 10 a 13). Ele conclui sua epístola exortando os cristãos a "[empenharem-se] para ser achados por ele em paz [com Deus], sem mácula e irrepreensíveis" (v. 14). Insta-os a crescerem na graça e no conhecimento de Jesus Cristo (v. 18).
A epístola toda demonstra uma unidade do começo ao fim. No século 17, o estudioso holandês Hugo Grotius sugeriu que os dois primeiros capítulos formavam uma carta e que o capítulo 3 era uma outra epístola. Com pequenas variações, sua teoria sobreviveu ao longo dos séculos. Ele oferece uma explicação fácil para a frase "é agora a segunda epístola que vos escrevo" (3.1). Porém, essa explicação não consegue justificar o fato de que o estilo de 2 Pedro demonstra continuidade em todos os três capítulos. Assim, o estilo dessa epístola torna nulo o argumento em favor da descontinuidade.

2. Teologia
Apesar de a Segunda Epístola de Pedro ser curta, a ênfase teoló¬gica é marcante. No versículo de abertura (1.1), por exemplo, Pedro descreve Jesus Cristo como divino. Diz: "Aos que conosco obtiveram fê igualmente preciosa na justiça do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo". Ou seja, ele chama Deus de Salvador. Observamos que Pedro faz isso de propósito, para enfatizar a divindade de Cristo, pois no versículo seguinte (1.2) ele distingue claramente entre Deus e Cristo: "No pleno conhecimento de Deus e de Jesus nosso Senhor". Para Pedro, Jesus não é apenas divino, mas também Senhor e Salvador (1.11; 2.20; 3.2,18). Além disso, Pedro encoraja os crentes a aumentarem seu "conhecimento... de Jesus nosso Senhor" (1.2,3,8; 2.20; 3.18) e lhes fala da vinda do Senhor (1.16) e do dia do Senhor (3.10,12 [Deus]).
Em sua segunda epístola, Pedro revela que o céu e a terra serão destruídos por fogo e que os elementos se derreterão (3.10,12). Na verdade, nenhum outro livro do Novo Testamento possui os detalhes explícitos que Pedro oferece sobre o fim do universo. Assim como outros autores, porém, Pedro ensina a promessa de um novo céu e uma nova terra (3.13; Is 65.17; 66.22; Ap 21.1). Pedro descreve a nova terra como lugares "nos quais habita justiça" (3.13). Depois de destruição completa do céu e da terra, o pecado perde o seu lugar e o justo encontra um lar na nova criação de Deus.
Os cristãos já participam da natureza divina e escaparam da corrupção do mundo (1.4). Devem, porém, esperar com ansiedade "a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo" (1. 11). Os cristãos experimentam, portanto, em sua vida de fé, a tensão entre o "já" e o "ainda não", o "agora" e o "então".
O cristão se depara com essa tensão na carta de Pedro, pois descobre que Deus lhe deu todas as coisas, chegando ao ponto de permitir que o cristão participe da natureza divina (1.4), ou seja, o cristão é eleito, porém deve lutar para garantir seu chamado e eleição (1.11). Deve fazê-lo cultivando as qualidades espirituais da fé, bonda¬de, conhecimento, domínio próprio, perseverança e piedade (1.5-7). Guthrie comenta: "Pedro não podia ser mais claro ao mostrar o as¬pecto da responsabilidade humana de sua doutrina da eleição".
Pelo fato dos crentes serem eleitos, são incumbidos de cultivar as virtudes cristãs. Desse modo, estando firmemente fundamentados na verdade, não tropeçarão (ver 1.10, 12). Ainda assim, eles estão diante de heresias de falsos mestres que vivem em seu meio (2.1). É possível, então, que os crentes percam sua salvação? Pedro assegura aos leitores o cuidado protetor de Deus. Ele ilustra essa verdade ensi¬nando aos crentes que Deus protegeu Noé — o pregador da justiça das águas do dilúvio — e salvou o justo Ló da cidade de Sodoma (2.5-8). Pedro conclui observando que isso acontece "porque o Senhor sabe livrar da provação os piedosos" (v. 9).
Porém, uma determinada passagem da epístola de Pedro pode ser interpretada com o significado de que os cristãos podem cair da graça. Pedro escreve:
“Portanto, se depois de terem escapado das contaminações do mundo pelo conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, se deixam enredar de novo e são vencidos, tornou-se o seu último estado pior que o primeiro. Pois melhor lhes fora nunca tivessem conhecido o caminho da justiça, do que, após conhecê-lo volverem para trás, apartando-se do santo mandamento que lhes fora dado. (2.20-21)”
Quem é o sujeito dessa passagem? Do modo como flui o capítulo, ele parece apontar para os falsos mestres que, em certa ocasião, adquiriram conhecimento intelectual de Jesus Cristo, mas não tiveram um compromisso com ele. É significativo que nesses versículos as palavras fé e crença não aparecem. Também, ao usar a terceira pessoa, Pedro se refere aos indivíduos que são o assunto dessa seção. Assim, ele indica a separação entre essas pessoas e a igreja cristã. Concluímos que não foram crentes verdadeiros, mas falsos mestres que se envolveram com o pecado e voltaram as costas para Jesus Cristo. Pedro ensina aos leitores de sua epístola que "[Deus] é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento" (3.9). Observe-se que, nesse versículo, ele emprega a segunda pessoa vós. Ele se dirige à comunidade cristã. Assim também ele escreve que o dia do Senhor "é dia de juízo e destruição dos homens ímpios" (3.7). Deus protege o seu povo, mas rejeita os escarnecedores.

3. Falsos mestres
Apesar de Pedro mencionar os falsos mestres no capítulo 2 e os escarnecedores no capítulo 3, na verdade, ele se refere a apenas um grupo de pessoas. Pedro identifica os escarnecedores como pessoas que "andam segundo as próprias paixões" (3.3) e questionam a volta de Cristo. E descreve os falsos mestres como pessoas que, "seguindo a carne, andam em imundas paixões" (2.10; ver também v. 18). Em resumo, não podemos encontrar diferenças marcantes entre esses dois grupos.
Já no primeiro capítulo, Pedro indiretamente mostra as doutrinas dos falsos mestres. Ele informa aos seus leitores de que os apóstolos "Nós não seguimos histórias habilidosamente inventadas quando lhes falamos sobre o poder e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo" (v. 16). Então, ao advertir os leitores sobre a influência perniciosa desses mestres, ele declara que eles "vão explorá-los com histórias que inventaram" (2.3) e revela que esses escarnecedores perguntam "Onde está a promessa da sua vinda?" (3.4). Também afirma que a profecia das Escrituras não tem origem na interpretação particular, mas no Espírito Santo (1.20,21). Pedro ensina firmemente a doutrina da inspiração, pois discute as heresias dos falsos mestres. Perto da conclu¬são de sua carta, ele volta à doutrina das Escrituras quando afirma que as pessoas ignorantes distorcem o significado das Escrituras "para a própria destruição deles" (3.16).
Quem são estes falsos mestres? Em outros tempos, eram mem¬bros da igreja, mas haviam rompido com a fé cristã (2.1,20,21). Agora, continuam a misturar-se com os crentes com o propósito de ensinar-lhes heresias destrutivas. Pedro menciona seus ensinamentos e descreve seu estilo de vida. De forma resumida, apresento a lista abaixo:
1. Rejeitam Jesus Cristo e o seu evangelho (2.1).
2. Repudiam a conduta cristã (2.2).
3. Desprezam a autoridade (2.10a).
4. De forma arrogante, "não temem difamar autoridades superiores" (2.10b).
5. Suas vidas são caracterizadas pela imoralidade (2.13,14).
6. Apesar de ensinarem a liberdade, são escravos da depravação (2.19).
7. Ridicularizam a doutrina da volta de Cristo (3.4).
8. Recusam-se a reconhecer o julgamento por vir (3.5-7).
9. Distorcem os ensinamentos das epístolas de Paulo e vivem em pecado (3.16).

Podemos identificar os falsos mestres como membros de um de¬terminado grupo conhecido na igreja primitiva? Para os estudiosos que são a favor de uma data mais recente para a composição de 2 Pedro, a identificação dos falsos mestres com os gnósticos parece uma solução pronta, mas, ao comparar os princípios do Gnosticismo do século II com as doutrinas dos falsos mestres, descobrimos que muitos elementos que deveriam ter sido discutidos não estão presentes. Por exemplo, uma referência ao demiurgo como criador do mun¬do era essencial ao Gnosticismo do século II. Porém, os capítulos 2 e 3 de 2 Pedro não trazem nenhuma referência a essa parte essenci¬al. O conteúdo da epístola de Pedro não reflete um contexto que tomou forma um século depois daquele dos apóstolos.
Os estudiosos que optam por uma data mais antiga para 2 Pedro mostram que as descrições da vida e da doutrina dos falsos mestres retraiam adequadamente a situação na metade do século I. A imoralidade dos coríntios, por exemplo, era bastante conhecida quando Paulo e Pedro visitaram Corinto em meados do século I. Entre os coríntios estavam aqueles que deturpavam a ceia de comunhão dos crentes (lCo 11.21; 2Pe 2.13). Paulo teve que dedicar um capítulo inteiro (lCo 15) à refutação de erros concernentes às doutrinas da ressurreição e da volta de Cristo. Em Tessalônica, os crentes levantavam questões sobre a vinda de Cristo e o fim do mundo. Paulo os instrui sobre o "mistério da iniquidade" que já estava operando (2Ts 2.7).
Cada detalhe da discussão de Pedro sobre os falsos mestres está ligado à metade do século I. O único tópico que reflete o Gnosticismo é a ênfase de Pedro sobre o conhecimento (ver, por exemplo, l .2,3,5,6,8). Talvez sua ênfase seja uma reação a hereges que foram precursores dos gnósticos do século II (comparar com Cl 2.2,3,18). Falsos profetas vagavam pelo interior quando Paulo escreveu sua carta à igreja de Colossos. Tudo indica, portanto, que 2 Pedro parece ter sido escrita nos últimos anos da vida de Pedro.

E. Quando e Onde Foi Escrita a Epístola?
A data de 2 Pedro está diretamente ligada à autoria dessa epístola. Se o apóstolo é o autor, então a data deve ser determinada antes da morte de Pedro. Mas, se ele não é o autor, então qualquer data no final do século I e começo do século II pode ser sugerida. Os estudiosos determinam para 2 Pedro uma data mais antiga (66, 67), uma no final do século I (80) ou uma no século II (125).

1. Data antiga
No primeiro capítulo de sua epístola, descobrimos que Pedro escreveu essa carta pouco antes de sua morte. Nesse capítulo, Pedro faz alusão à sua partida iminente desta vida (vs. 13 e 14). Ele deseja lazer uso da oportunidade para fortalecer os crentes em sua fé, adverti-los sobre os ensinamentos dos hereges e voltar sua atenção para a vinda de novos céus e nova terra. Em outras palavras, Pedro está escrevendo uma espécie de testamento, no qual ele expressa suas admoestações antes de partir.
Sabemos quando Pedro faleceu? Não temos conhecimento da data exata, embora o historiador da igreja, Eusébio, situe a morte de Pedro na época da perseguição de Nero (64-68 d.C.). Se determinamos a data de redação de 1 Pedro em 63 ou 64 d.C., devemos conceder um certo tempo para que os acontecimentos na comunidade cristã tornassem necessária a redação de uma outra carta. Assim, supomos que Pedro escreveu sua epístola pouco antes de 68 d.C.

2. Final do primeiro século
Outros estudiosos acreditam que um discípulo de Pedro escreveu a epístola depois que seu mestre faleceu. Esse escritor, portanto, redigiu a carta no nome de Pedro, talvez uns 20 anos depois da morte do apóstolo. Os estudiosos optam por uma data no final do século I, pois afirmam que a carta revela uma cristologia que reflete uma data posterior. Além disso, a frase co-participantes da natureza divina (1.4) parece ter origem no Judaísmo helenista das duas últimas déca¬as do século I. Por fim, eles entendem que uma resposta à heresia dentro da igreja indica "uma data relativamente recente". O uso do tempo futuro em vez do presente (como, por exemplo, em "nos últimos dias virão escarnecedores" [3.3]) parece favorecer uma data no ano 80 d.C. Estudiosos que interpretam a frase “desde que os pais dormiram” (3.4) como significando os patriarcas cristãos, também preferem uma data no final do século I.

3. Segundo século
As datas determinadas para 2 Pedro por estudiosos que vêem a epístola como um manuscrito do século II variam de 100 a 150 d.C. Aqueles que situam a carta na metade do século II vêem um cenário cultural e religioso em que as heresias, excluídas de dentro das igrejas, procuram ativamente por adeptos no meio dos crentes. Eles declaram que a redação de 2 Pedro depende da Epístola de Judas, que, na sua opinião, foi escrita provavelmente no ano 100 d.C. Quanto à data de composição de 2 Pedro, cada estudioso tem que lançar mão de uma hipótese, mas os estudiosos que questionam a autoria apostóliça de 2 Pedro vêem-se diante de uma grande falta de fatos históri¬cos e são obrigados a escolher arbitrariamente uma data em alguma parte da primeira metade do século II.

4. Local
Onde foi escrita 2 Pedro? A epístola em si não oferece nenhuma informação sobre o lugar de origem. Supondo que o nome Babilónia em 1 Pedro 5.13 seja um pseudónimo para Roma, localizamos a origem de 1 Pedro nessa cidade e somos inclinados a determiná-la como sendo também a origem de 2 Pedro. Sabemos que Pedro passou al¬gum tempo em Roma antes de sua morte, de modo que a cidade imperial parece ser um lugar provável. Também sabemos que Pedro viajou e visitou igrejas em outras partes, como, por exemplo, Corinto. De qualquer modo, devemos concluir que, por falta de material fatual, não podemos determinar o lugar de origem.

F. Qual é o Lugar da Epístola no Cânon?
Como 2 Pedro foi recebida pela igreja primitiva? As evidências externas de reconhecimento direto dessa epístola no século II são praticamente inexistentes. Podemos detectar algumas alusões, ou semelhanças, à segunda epístola de Pedro em escritos de Clemente de Roma e no Pastor de Hermas. Porém, a Epístola de Barnabé, que é do final do século I ou começo do 2Q, tem uma frase que repete 2 Pedro 3.8: "Para o Senhor um dia é como mil anos, e mil anos como um dia". O autor de Barnabé 15.4 escreve: "Eis que o dia do Senhor será como mil anos". Porém, tanto 1 quanto 2 Pedro não estão presentes no Cânon Muratoriano (175 d.C.).
No começo do século III, Orígenes é o primeiro autor que, ao citar 2 Pedro seis vezes, chama a epístola de Escritura. O historiador da igreja, Eusébio, revela que Orígenes expressou alguma reserva quando disse: "Pedro... deixou uma epístola reconhecida e, possivelmente, também uma segunda epístola, pois há dúvidas". De acordo com Eusébio, seu mestre, Clemente de Alexandria, que faleceu por volta de 216 d.C., escreveu comentários sobre todas as epístolas ge¬rais. Supomos que o termo epístolas gerais inclui 2 Pedro. Clemente faz alusão a versículos da segunda epístola de Pedro, mas não a cita em nenhuma parte conhecida de seus escritos.
Por volta de 325 d.C., Eusébio classificou 2 Pedro junto com os chamados escritos controversos e recusou-se a colocar a epístola no cânon. Ele refletia a idéia de outros daquele século. Mais para o fim do século IV, Jerônimo reconheceu que Simão Pedro escreveu duas epístolas que eram chamadas de gerais, mas acrescentou que muitas pessoas duvidavam da autenticidade de 2 Pedro por causa das variações de estilo em relação a 1 Pedro. Porém, a igreja universal reconheceu 2 Pedro como sendo canônica. O Concílio de Laodicéia (360 d.C.) colocou 2 Pedro entre os livros canônicos, e o Concílio de Hipona (393 d.C.) e o Concílio de Cartago (397 d.C.) também colocaram 2 Pedro entre os livros canônicos. Ainda assim, quando, no século Iv, a igreja aceitou a segunda epístola de Pedro como sendo canônica, ainda restavam dúvidas.
Durante a Reforma, João Calvino expressou suas restrições sobre a autoria apostólica. Para ser exato, ele questionou a autoria da epístola, mas não sua importância canônica:
Porém, quando examino todas as coisas mais de perto, me parece mais provável a epístola ter sido composta por um outro, de acordo com o que Pedro havia comunicado, do que ter sido escrita pelo próprio Pedro, pois ele mesmo não teria falado desse modo.
Martinho Lutero aceitava 2 Pedro como parte do cânon e a colo¬cava entre os livros numerados em sua lista do Novo Testamento.

G. Como Podemos Traçar um Esboço de 2 Pedro?
Os pontos principais dessa epístola curta podem ser memoriza¬dos capítulo por capítulo. Os títulos são estes:
Introdução 1.1,2
Promessas e Virtudes 1.3-11
Revelação Divina l. 12-21
Falsos Mestres 2.1-22
O Dia do Senhor 3.1-13
Exortações 3.14-18

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